
Miura Kabrio 1984: última cartada
O mais desconhecido entre todos os modelos criados pela Miura foi também a derradeira aposta da marca gaúcha com o motor Volkswagen arrefecido a ar


No último dia 23 de outubro, morreu aos 83 anos Itelmar Gobbi, o nome por trás do design dos 11 modelos produzidos pela gaúcha Miura – fundada em 1966 ao lado do sócio e amigo Aldo Besson, falecido em 2011. Nascida como Aldo Auto Capas, a empresa sediada na capital Porto Alegre especializou-se na personalização de bancos e comercialização de acessórios automotivos. Na segunda metade da década de 1970, a proibição aos importados motivou a dupla a seguir o ousado caminho trilhado por outros pequenos fabricantes independentes: construir o seu próprio veículo, um cupê esportivo lançado em 1977.
A receita básica era a mesma utilizada pelos concorrentes: carroceria em plástico reforçado com fibra de vidro montada sobre a mecânica VW herdada do Fusca. Mas o Miura se diferenciava dos demais pelo design inovador, altíssimo padrão de acabamento e a presença de tecnologias futuristas, sendo pioneira no mercado nacional em soluções como volante com regulagem elétrica de altura, sintetizador de voz e sensor de crepúsculo. Em pouco tempo, a marca ganhou fama, virou sinônimo de vanguarda e sonho de consumo entre o público de alto poder aquisitivo. Jogadores de futebol, artistas e grandes empresários da época circulavam a bordo dos modelos nascidos na fábrica gaúcha.
A Miura também se destacou da concorrência por saber se antecipar aos anseios do mercado. Já em 1982, lançou o modelo batizado de Targa, que entre outras melhorias trazia chassi tubular próprio especialmente projetado para receber a mecânica dianteira de arrefecimento a líquido do VW Passat – conjunto do qual surgiria o conversível Spider um ano mais tarde.
Apesar da boa aceitação aos novos produtos, os sócios não escondiam uma preocupação: o salto tecnológico elevava ainda mais os Miura na tabela de preços, tornando-os acessíveis a um público ainda mais seleto. O medo de Itelmar e Aldo era de que a produção restrita aos modernos Targa e Spider não sobrevivesse diante de uma das muitas crises financeiras que impediam a estabilidade econômica do Brasil na época. A solução, na cabeça dos sócios, estava na criação de um modelo de entrada. Assim nasceu o conversível Kabrio, lançado em 1984 a um custo 60% mais barato que um Spider. Para chegar a esse preço, a Miura não só voltou a utilizar o conjunto mecânico VW a ar, como também adotou medidas inéditas em qualquer modelo da marca. “O Kabrio é o único Miura que podia ser montado sobre o chassi-plataforma de um veículo adquirido no mercado de usados em vez de um conjunto zero adquirido diretamente da Volkswagen. Além disso, para baratear o processo, a fábrica gaúcha não investiu no desenvolvimento de componentes exclusivos. Em vez disso, o Kabrio aproveitava acessórios e acabamentos de outros modelos de linha e também disponíveis no mercado paralelo”, aponta Sandro Zgur, presidente do Miura Clube do Rio de Janeiro.
Propriedade de um associado do clube que prefere não se identificar, o modelo das fotos é uma verdadeira cápsula do tempo. “Esse carro foi fabricado a partir de um conjunto mecânico zero-quilômetro (1600 a álcool com dupla carburação) e preserva todas as características originais de fábrica”, aponta Sandro, destacando o fato do Kabrio ser o único Miura sem faróis escamoteáveis. “Foram adotados antigos faróis estilo olho-de-boi do Fusca (usados pelo besouro até 1972) em posição quase horizontal”, observa o especialista. “Como esses faróis não foram projetados para trabalhar neste ângulo de inclinação, a iluminação ficou bastante comprometida. Problema solucionado com a inclusão de quatro faróis auxiliares da marca Rossi embutidos no para-choque dianteiro.” Ainda externamente, o modelo exibia lanternas originárias do VW Gol montadas de ponta-cabeça, enquanto as rodas aro 13 polegadas eram as populares “gaúchas” fornecidas pela Scorro. Já o interior chamava atenção pela qualidade no acabamento da tapeçaria (ponto forte da marca gaúcha), com assoalho revestido em carpete extra-nylon e bancos em um elegante courvin com faixas acarpetadas nas portas. “O painel de instrumentos era do Ford Escort XR3, embora também pudesse usar o componente da versão GL, com relógio no lugar do conta-giros. Fora isso, o Kabrio é o único Miura sem regulagem elétrica de altura do volante, que neste caso é um Walrod”, aponta Sandro.
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