
O erotismo visceral de Francis Bacon ganha mostra imperdível no Masp
Exposição joga luz sobre influência da sexualidade do artista em sua obra explosiva e destaca o papel do irlandês como inovador radical do retrato


Em um dia prosaico como qualquer outro, o irlandês Francis Bacon (1909-1992) foi atraído por uma imagem que passa despercebida para muitos: ao caminhar em frente a um açougue, teve o olhar capturado pelas peças de vermelho vivo exibidas na vitrine do estabelecimento. “Como pintor, você não pode deixar de sentir toda a beleza do colorido da carne”, proclamou ele ao relatar a experiência ao historiador e crítico de arte David Sylvester (1924-2001). A passagem curiosa ilustra o olhar atento do artista para a composição corporal em toda a sua plasticidade, e é a centelha inicial da exposição Francis Bacon: a Beleza da Carne, em cartaz no Masp, em São Paulo, a partir de sexta-feira, 22. “A gente parte dessa fala que dialoga com diversas obras dele para pensar também sobre outro aspecto de sua pintura, o desejo carnal”, explica Laura Cosendey, uma das curadoras da mostra.

O ARTISTA - Bacon: arte marcada por ambiguidade e estranheza
Parte de uma programação inteiramente dedicada a histórias da diversidade LGBTQIA+, que conta com uma série de mostras ao longo de 2024, a exposição — que lançará, ainda, um catálogo inédito do artista — é uma das raras ocasiões em que a obra de Bacon é exibida de maneira extensa no Brasil. No total, 24 pinturas produzidas entre 1940 e 1980 compõem o acervo, que reúne peças vindas de diversas instituições de renome. Inserida no contexto da diversidade sexual, a curadoria volta suas atenções para um recorte importante e pouco explorado: a influência da homossexualidade do pintor em sua arte e, mais que isso, como seu estilo inovador abriu caminhos para a representação queer em tempos de repressão.
Filho de pais ingleses e nascido na Irlanda, Bacon passou boa parte da vida em um contexto no qual a homossexualidade era mais que malvista: até 1967, a prática era considerada crime na Inglaterra, condenando muita gente à prisão. Isso não impediu que Bacon retratasse seus desejos nas telas: o corpo masculino, em nus ou retratos mais “comportados”, é uma temática recorrente em sua pintura — inspirado, inclusive, por musos como Peter Lacy e George Dyer, com quem manteve relações apaixonadas, mas também violentas. “Esses dois relacionamentos foram muito marcantes para Bacon. Ambos morreram jovens e foram perdas sofridas”, detalha a curadora do Masp, lembrando que o pintor também eternizou amigos, mulheres e figuras não identificadas.
![3-[RESTRIÇÃO-DE-USO-VER-LEGENDA]-Francis-Bacon,-Study-for-Self-portrait,-1981.jpg A OBRA - 'Estudo para Autorretrato': nem ele mesmo escapa das distorções](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/03/3-RESTRICAO-DE-USO-VER-LEGENDA-Francis-Bacon-Study-for-Self-portrait-1981.jpg.jpg?quality=90&strip=info)
A OBRA – ‘Estudo para Autorretrato’: nem ele mesmo escapa das distorções
Nessas obras, o artista costumava se inspirar nos estudos de movimento do fotógrafo Eadweard Muybridge (1830-1904), conhecido por captar imagens de atletas. “O uso do contexto esportivo era uma estratégia na época para a circulação de imagens homoeróticas”, conta ela. Mesmo assim, Bacon deixou de lado os couplings (acasalamentos), como chamava esse tipo de representação, e só retomou a ideia a partir de 1967, depois que a legislação descriminalizou a homossexualidade. Exemplo desse retorno é Two Figures with a Monkey (Duas Figuras com um Macaco), em que corpos disformes se entrelaçam em cima de uma mesa enquanto um primata pula abaixo dela.
![3-PAGINA-ABRE-[RESTRIÇÃO-DE-USO-VER-LEGENDA]-Francis-Bacon,-Two-Figures-with-a-Monkey,-1973.jpg O CORPO FALA - 'Duas Figuras com um Macaco' (à esq.) e 'Homem em um Lavatório': erotismo e fascinação por açougue](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/03/3-PAGINA-ABRE-RESTRICAO-DE-USO-VER-LEGENDA-Francis-Bacon-Two-Figures-with-a-Monkey-1973.jpg.jpg?quality=90&strip=info)
O CORPO FALA - ’Duas Figuras com um Macaco’ (à esq.) e ‘Homem em um Lavatório’: erotismo e fascinação por açougue
Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884